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"Spain is Different"

De repente você lê uma notícia e se sente em casa...

"Um surdo (de nascimento) é multado com 200 euros por usar o celular enquanto dirigia"


"Hein?" Você se pergunta, impactado por uma manchete comum pra quem vem de um país onde tudo é possível, acreditando que no tal do 1º mundo essas mesmas coisas não são frequentes.

Seus olhos seguem as linhas:
"O homem, com uma capacidade auditiva nula, tentou explicar aos agentes de trânsito que se tratava de um erro".

As surpresas não param:

"O homem nunca teve um telefone celular, mas em fevereiro do ano passado, quando conduzia pela estrada, uma patrulha da Guarda Civil o fez parar. O condutor não entendia o que os policiais tentavam dizer e mostrou o carnê de conduzir que comprova sua surdez, mas ele não foi capaz de se explicar.
Chegando em casa, com a ajuda do seu sobrinho, tentou conversar com a DGT - Direção Geral de Trânsito - e foi ignorado. Devido ao atraso no pagamento, o valor da multa subiu para 220€.
Para evitar problemas, ele pagou os 220€, mas apresentou uma denúncia. Segundo sua advogada, sua demanda demorará dois anos para ser resolvida".
Fim.

Esse post é pra todos os que pensam (pensamos) que na Europa as coisas são diferentes. Pode até ser que na EUROPA - com maiúsculas e em negrito - sim... mas isso aqui é Espanha e o nome desse blog bem que poderia ser - como dizem os espanhóis - "Spain is Different". Pra gente, é "Igualzinho ao Brasil", em muitos casos.

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Fito Paez y su piano

No era día de escribir, pero escuchar a Fito Paez me hace tener ganas de contarle a todo el mundo lo maravilloso que es conocerle.

Fito é um cantor, compositor, pianista e intérprete argentino que morou muitos anos em Madri, um apaixonado pelo Brasil que entrou na minha vida lá pelo ano 2009, quando eu já morava na capital.

Tem umas 2 ou 3 canções suas que me geraram aquele sentimento de identidade, sabe? Em 2009 eu estava me conhecendo ao mesmo tempo que conhecia Madri, a independência de finalmente morar sozinha em um apartamento de 25 metros quadrados, sem elevador, sem forno, mas com a delícia de ser completamente independente. Eu morava na calle Princesa, ao lado da Gran Vía, quase na frente da Plaza España, e tinha meu primeiro trabalho legal pra caramba, do jeitinho que eu queria. Todos os dias conhecia pessoas novas e só conseguia olhar pra frente. E via um futuro brilhante e divertido.

Fito foi parte da época em que conheci o Alberto e andávamos juntos pela Gran Vía ouvindo as músicas que ele tinha no iPod. Era inverno, a gente andava rápido e abraçados, vendo as pessoas e sorrindo grátis para todo mundo.


Em 2011 eu ganhei um par de entradas em um sorteio (sou boa nisso!) para o show do Fito num teatro lá naquela mesma Gran Vía que tinha sido a minha estrada de todos os dias, apenas alguns anos antes.

O show do Fito foi tão legal quanto eu imaginava. Ele tem muita energia ao vivo e conta histórias com o seu piano. Mistura bossa, dor, alegria, rock, Titãs, Barão Vermelho, Calamaro, Caetano, música clássica e samba.

Naquela época, essas eram as canções dele que eu gostava de verdade, porque foram as músicas que me ajudaram a construir uma etapa da minha vida..

Mas hoje eu descobri esse disco (Canciones para Aliens), que tem um tango gravado com o Chico Buarque, uma versão fantástica de "Construção" e uma preciosa interpretação de Va, Pensiero, de Verdi. Na verdade é todo um álbum de versões, com uma interpretação absolutamente emocionante de Somebody to Love do Queen, que se chama Las dos caras del Amor.



Fito é desses artisas que surpreendem porque não se prendem a nenhum estilo, além do seu próprio. Mas mais do que isso, é desses intérpretes e compositores que te ensinam e mostram novos caminhos da música.

Um argentino, com alma brasileira, espanhola, sul-americana, européia. Quem o conhece como é "estar ao lado do caminho, inalando a fumaça enquanto tudo acontece.. que gosta de abrir os olhos, estar vivo e encarar a ressaca".... Mas mais do que isso... Paez foi o único cara que conseguiu traduzir o sentimento de "voltar do esquecimento para lembrar dos sonhos da minha casa, da criança que jogava bola"... E escutar o que Fito fala sobre mim mesma, sempre me emociona.

si alguna vez me cruzas por la calle
regálame tu beso y no te aflijas
si ves que estoy pensando en otra cosa
no es nada malo, es que pasó una brisa
la brisa de la muerte enamorada
que ronda como un ángel asesino
mas no te asustes siempre se me pasa
es solo la intuición de mi destino

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El Spanglish

Tal e como nós temos o portunhol e não nos envergonhamos dele, os espanhóis têm o spanglish. A verdade é que eles não falam inglês e a maioria dos espanhóis que diz que fala, fala mal.

Existem algumas coisas chochantes, como por exemplo escutá-los dizer "Udos", no lugar de "Iutchu", ou "Wifi", em vez de "Uaifai". Mas mais chocante ainda é você dizer "Aipéd" e as pessoas ficarem te olhando com cara de "hummmm olha essa querendo mostrar que sabe", ou combinar de ir em um "Airish Pãb" e ver a caras deles de "hein, o quê"? E vc repetir Airish Airish Airish até que o cabra diga: "Ahhhhh, Irish Pub", com o I sendo I e o U sendo U.

Essas coisas são complexas. Tem gente que diz que é de propósito, mas temos que lembrar que eles viveram em uma ditadura militar durante muitos anos e o inglês não era um idioma necessário, cotidiano, nem usual para os espanhóis. Além disso, antes da ditadura franquista, que terminou em 1975, eles viveram uma Guerra Civil, que terminou em 1939. Depois que Franco morreu, veio o Rei que provavelmente só fale espanhol mesmo, e bom... o inglês é algo que deve existir por aqui há pouquíssimo tempo.

Por causa do protecionismo cultural normal nas ditaduras, a música, o cinema ou os livros americanos (e de qualquer outro país) não eram comuns e muitos deles chegavam à Espanha através de civis que viajavam e traziam as novidades nas suas malas. O cinema até hoje é dublado, e para nós, que gostamos dos filmes em versão original, acaba sendo complicado encontrar salas onde vê-los. É sério, até nos cinemas os filmes são dublados. E o mais estranho é que a maioria dos espanhóis defendem a dublagem, até aquela pessoa bem legal que você imagina como o cool de plantão. E o pior é que vários estão orgulhosos da dublagem espanhola: "Temos os melhores dubladores do mundo"... já cansei de ouvir. E de discutir também, né? Deixa eles...

O fato é que por causa de tudo isso, os espanhóis têm bem pouco contato com a língua do Tio Sam. E com a cultura também. Claro que existem Mc Donald´s e Starbucks por aqui, mas a maioria dos espanhóis vão preferir as suas cafeterias de bairro e o bocadillo de calamares do boteco da esquina.

Claro que as coisas estão mudando devagarzinho e o inglês pouco a pouco vai fazendo parte do cotidiano. Por exemplo, ontem fui almoçar no Vip´s com o Alberto e ele pediu o prato "Vips Club", eu pedi o "Vips Club Neiture".
O mocinho anotou o pedido dizendo: "Media ensalada Siciliana, un Vips Club y un Vips Club Na-tu-re". Nature, com o A, o U, e o R bem pronunciadinhos como se fosse em espanhol.

É que dá a impressão de que eles estão se abrindo e que querem aprender... mas quando você fala diferente, o orgulho espanhol parece ficar ferido. Por causa disso, nessa minha aventura imigrante, eu sou dessas que começou a falar Ratón mesmo sentindo dor de ouvido e a delícia (?) ao escutá-los dizer que adoraram el concierto del ACÊ/DÊCÊ.

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Almodóvar e a vida como ela é

Antes de vir morar na Espanha era uma grande fã do trabalho do Almodóvar. Utilizar o surrealismo como linha narrativa me parece sensacional. Lembro da cena de um dos seus filmes, quando um roteirista de cinema recortava notícias em um jornal para utilizá-las como argumentos para suas histórias. Ele procurava por temas curiosos, absurdos, intrigantes...

O modelo almodovariano de escrever e de conceptualizar histórias, normalmente são associados à Espanha e, por isso mesmo, muitos espanhóis não gostam do seu trabalho. Pelo que eu entendi, eles parecem pensar que relacionar a Espanha com o Almodóvar, é como relacionar o Brasil com a cultura do Rio de Janeiro, do samba e do Carnaval.

Mas o fato é que hoje, durante minha leitura matinal de blogs e notícias, encontrei uma história que deixaria as do Almodóvar no chinelo, e queria compartirlhá-la com vcs. Porque o naturalismo, o surrealismo e o absurdo não são exclusividades do cinema espanhol.... É só ligar a TV no Brasil, que a gente pode encontrar coisas muito mais bizarras ou divertidas do que vemos nas telas do excêntrico cinema europeu.

O texto é do jornalista Ricardo Aoki, catarinense de Itajaí, e dono do blog "Soco na Costela", um nome muito sugestivo.... Recomendo a navegação.


Ex-Pastor é ator de filme pornô gay

Ontem eu estava vendo o SBT Repórter que falava sobre a indústria do sexo. Confesso, só assisti ao programa por causa do tema, senão nem tinha perdido meu tempo. Pois bem, lá estou eu vendo o César Filho apresentar o programa quando ele anuncia a chamada de uma das matérias: "Pastor deixa igreja para virar estrela do cinemapornô". Fiquei interessado na matéria. O cara deixou de pregar a palavra de Deus para se dedicar a pegar a mulherada nos filmes eróticos. Grande sacada dele.
O programa segue, primeiro com uma matéria com a MárciaImperator. Para quem não sabe ela é uma das atrizes pornô mais bem pagas do Brasil. Ganha cerca de R$ 7 mil por filme e olha que tem jornalista que não ganha isso no ano. Mas isso é uma outra história. Depois vem uma matéria com uma superstar norte americana e finalmente a matéria com o pastor.
A entrevista começa com o repórter, que não me lembro o nome, andando em um jardim. De um lado o ex-pastor e do outro lado dorepórter a esposa do pastor. Mas para minha surpresa o cidadão, que também não me lembro o nome, deixou a igreja para virar atorpornô. Até ai tudo bem, mas o cara virou ator pornô gay. Tudo bem, não é preconceito, mas fiquei indignado com a esposa do cara, principalmente quando o cidadão disse que só faz filme passivo, e ela não tem ciúmes dele. Mas que não permitiria que ele fizesse filmes com mulheres.
Vejam que situação bizarra, a esposa deixa o cara fazer filme gaypassivo e diz que não sente ciúmes, porém se ele fizer filme com mulher ela fica com ciúmes. O repórter fica sem entender e pergunta várias vezes se ela não sente nada. A resposta é sempre que não. Dai o ex-pastor diz que é uma profissão e que o fato dele ser passivo não reduz sua heterossexualidade.????
Vai entender esse mundo. Tento não ser preconceituoso nesse blog, na verdade a crítica nem é preconceituosa. Parem o mundo que eu quero descer. Acho que são os fluídos de 2012 que já estão fazendo efeito na cabeça das pessoas. O que leva o cidadão a fazer mais de 300 filmes gays, na situação de passivo, ou seja, dando o toba e mesmo assim afirmar que não é gay? Por dinheiro? Acredito que o dinheiro, que nem é tanto assim, não é suficiente para uma pessoa se expor dessa forma. Está certo que muita gente vai dizer que éprofissional. Tudo bem, profissional que jeito? E olha que para me deixar surpreendido com as coisas mundanas é muito difícil. Mas essa, confesso que fiquei muito surpreso.
Afinal, ele faz o que bem entender com o seu . Faz parte, cada um sabe da sua vida. Mas se expor na televisão com a esposa e os filhos é demais. Quem está errado? Ele ou a emissora que mostra uma bizarrice dessas? Tem valor jornalístico? Eu tenho minhas dúvidas.

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Coisas que quem vem morar na Espanha nunca entenderá I

Já adianto: a lista é infinita.

Eu tentei recuperar algumas reflexões no twitter, mas foi impossível encontrá-las (se alguém conhece um caminho fácil, que me avise). Mas essas "coisas" passeiam entre o assassinato de toros em praça pública, o hábito de jogar toco de cigarro e guardanapo no chão dos bares, e o bigode do ex-presidente Aznar - apesar de que ele já fez a barba e o bigode ficou no passado.

Mas hoje meu lisitado foi enriquecido com uma aportação que acredito ser insuperável. Atenção ao título da notícia:

O neto do Rei, ferido gravemente depois de disparar acidentalmente no próprio pé, se recupera

O neto mais velho do Rei, de apenas 13 anos, sofreu um acidente quando praticava tiro junto ao seu pai, na sua fazenda privada em Soria. O menino foi operado e está internado em um hospital madrilenho.


"Criança", "arma", "Rei" (com maiúscula), "disparo" "pai", "fazenda privada"... tudo isso em uma mesma notícia... Só faltou explicarem que o menino está utilizando sistema público de saúde para sua recuperação, mas isso é lógico.

Tivemos que esperar algumas horas para que os principais jornais da Espanha publicassem outra notícia, onde a Guarda Civil explicava que uma criança de 13 anos não pode disparar ou manejar uma arma de fogo, nem sequer uma pistola de ar comprimido.

Ninguém explicou nada. Nem o Rei, nem o pai do piazinho, nem a polícia. Aliás, polícia falou que é proibido... mas não disse se o pai do guri de 13 anos vai ser investigado e que tipo de pena ele pode ou deve sofrer.

Pra quem ainda não entendeu, dizem que a Espanha é um país desenvolvido. Mas com esse post quero dizer que aqui existem problemas bem parecidos com os que temos no Brasil. É claro que eu posso explicar alguns deles, mas em outros casos - como esse - a própria história é a meia palavra que basta.